Padres Apostólicos: Quem são, Biografia, Livros e Filosofia

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Os padres apostólicos estão entre os principais autores cristãos dos primeiros séculos, ainda que muitos não os conheçam.

Sua importância se dá por eles possuírem os documentos cristãos mais antigos da história depois daqueles contidos no Novo Testamento.

O que são os Padres Apostólicos?

Os padres apostólicos são fundamentais para a história do cristianismo por conta de suas contribuições.

Os padres apostólicos são aqueles autores do cristianismo primitivo que datam, especialmente, do fim do século I até o início do século II. Seus trabalhos escritos são a continuidade do trabalho realizado pelos apóstolos. Todos estes autores tiveram contato com os apóstolos (ou pessoas muito próximas dos mesmos).

Suas obras foram as principais fontes de informação sobre o cristianismo nas gerações que se sucederam aos apóstolos.

No entanto, seus nomes originais eram homens apostólicos. O nome padres apostólicos passou a ser usado no século 6, passando a ser mais citado a partir do século 17 (fonte).

Por fim, as obras desses autores possuem importantes ensinamentos cristãos que são válidos até hoje e inspiram muitos autores, como Chesterton e C. S. Lewis (confira um resumo de seus livros clicando aqui).

Filosofia dos Padres Apostólicos

Os padres apostólicos se debruçam de forma muito profunda sobre a doutrina cristã discutida no primeiro século.

Com uma imensa variedade de gêneros, os Padres Apostólicos apontam diversas questões da doutrina e organização da igreja que viriam a ser discutidos mais profundamente nos diversos autores da patrística, como a hierarquia da Igreja, a relação entre cristianismo e judaísmo, a natureza do pecado e a eucaristia.

De fato: ainda que nem tudo que estes autores escreveram tenham validade teológica, seus escritos tem uma importância muito grande como a ponte entre o Novo Testamento e grandes autores da patrística.

Sendo assim, vale elencar cada ponto aqui com algumas observações importantes que estes autores fizeram a respeito de alguns temas.

1. Hierarquia da Igreja

A definição da hierarquia da Igreja foi alvo de muitos debates durante séculos.

Na época, como a comunicação entre igrejas era mais lenta e escassa, cada região acabou desenvolvendo uma hierarquia própria, que depois foi se padronizando ao longo dos séculos. Desde o começo, a Igreja da Roma atuava em questões pertinentes a outras dioceses, mostrando uma predominância em assuntos de fé.

Em primeiro lugar, o Didaché, provavelmente o mais antigo desses documentos, sugere uma fase em que os apóstolos e profetas ainda estavam ativos, mas quando o ministério rotineiro de bispos e diáconos já ganhava reconhecimento.

Por outro lado, a 1ª Carta de Clemente, uma carta oficial da igreja romana à igreja de Corinto, reflete um episcopado colegiado, com autoridade compartilhada entre diversos bispos.

Essa visão de autoridade foi apoiada por uma teoria emergente de sucessão apostólica na qual os bispos eram considerados herdeiros jurisdicionais dos apóstolos.

A Primeira Carta de Clemente também é instrutiva ao mostrar que a igreja romana, mesmo no final do século I, afirmava seu direito de intervir nos assuntos de outras igrejas.

As cartas de Santo Inácio, bispo de Antioquia no início do século II, retratam a posição do bispo monárquico, ladeado por presbíteros subordinados (sacerdotes) e diáconos (assistentes pessoais do bispo), que haviam sido estabelecidos com segurança na Ásia Menor.

Hoje, esta visão é a predominante na Igreja Católica, que redige documentos para a igreja de todo mundo através de Roma, como ocorreu no Concílio Vaticano I e Concílio Vaticano II, por exemplo.

2. Relação entre judaísmo e cristianismo

Os cristãos buscaram uma forma de se diferenciar do judeus através de seus próprios ritos, e cada autor buscou uma solução para essa questão.

De fato, era muito urgente era a questão da relação do cristianismo com o judaísmo, em particular a atitude cristã em relação ao Antigo Testamento (Bíblia Hebraica). Muitos dos padres apostólicos tiveram visões diferentes sobre esse aspecto da fé.

Na Didaché, o conteúdo material ético judaico é retomado com adaptações adequadas, e há uma base judaica nos elementos litúrgicos.

Mas com São Barnabé, há uma diferença de posições: o autor substitui o literalismo judaico pelo alegorismo (uso do simbolismo), retirando assim um sentido cristão do Antigo Testamento.

A mesma tensão é sublinhada pela polêmica de Santo Inácio contra as tendências judaizantes na igreja.

Ao mesmo tempo, todos esses escritos — especialmente os de Inácio, Policarpo e Papias — testemunham a crescente consciência de uma tradição especificamente cristã incorporada no ensinamento transmitido pelos Apóstolos.

3. Sacramentos

Quase todos os Padres Apostólicos lançam luz sobre a doutrina e a prática primitivas. Particularmente, alguns destes livros traziam já questões sobre os sacramentos, como batismo, confissão e eucaristia.

A Didaché, por exemplo, apresenta a Eucaristia como sacrifício, e a Primeira Carta de Clemente incorpora orações contemporâneas.

A Segunda Carta de Clemente convida seus leitores a pensar em Cristo como Deus e na Igreja como uma realidade preexistente.

O Pastor de Hermas procura modificar a visão rigorista de que o pecado cometido após o batismo não pode ser perdoado

História dos Padres Apostólicos

A história dos padres apostólicos se inicia já no primeiro século da era cristã, quando estes autores viveram.

Os padres apostólicos foram grandes nomes dentro do cristianismo, sendo considerados pelas Igrejas Católica e Ortodoxa como santos. Além disso, todos eles aprenderam diretamente com os apóstolos ou pessoas próximas dos mesmos, o que os conferiu grande autoridade.

Muitas das obras desses autores foram escritas no mesmo período e em regiões próximas dos escritos que foram incluídos no Novo Testamento.

Muitos dos escritos dos Padres Apostólicos eram bem conhecidos pelos cristãos dos primeiros séculos.

Sendo assim, muitas dessas obras eram considerados como parte integrante do Novo Testamento, mas perderam essa classificação posteriormente.

As obras ensinam a necessidade da conversão para o cristianismo e sobre a necessidade de seguir valores tradicionais, como mostram os seus livros, como o Didaquê (leia um resumo clicando aqui).

Praticamente todas as obras desses autores foram escritas em grego, idioma dominante entre os cristãos da época.

Quais eram os Padres Apostólicos?

Os padres apostólicos foram:

1. Clemente de Roma

São Clemente I - terceiro Papa que governou a Igreja Romana

Clemente de Roma foi o bispo da Igreja de Roma entre os anos 88 e 99 d. C, sendo considerado, portanto, o quarto papa. Clemente foi contemporâneo de Pedro, e especula-se que, assim como os papas anteriores (Lino e Cleto), tenha aprendido muito com o primeiro papa.

Sua atuação de liderança o tornou uma figura muito importante no fim do primeiro século, tornando esse o padre apostólico mais conhecido.

Sua primeira epístola tornou-se um documento de grande fama e respeito na comunidade cristã da época.

Essa epístola é considerada a primeira epistola cristã escrita depois do Novo Testamento.

O autor era profundo conhecedor do Antigo Testamento e de outros documentos de sua época que foram compilados posteriormente no Novo Testamento, como as cartas de Paulo.

Sua segunda epístola, possivelmente, não foi escrita pelo próprio autor. Muitos consideram o documento como a transcrição de um sermão. Leia uma biografia de Clemente de Roma clicando aqui.

2. Barnabé

Dia de São Barnabé: conheça o 'filho da consolação'

Esse autor é o único dos padres apostólicos referenciado na Bíblia: segundo o livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo foi o responsável por sua conversão. Barnabé é de origem judaica e, após sua conversão, passou a viajar com Paulo para pregar a conversão dos pagãos.

Assim como Paulo, era contra a circuncisão dos cristãos, algo comum no primeiro século. Os dois participaram do Concílio de Jerusalém defendendo sua posição.

A epístola de Barnabé aos Coríntios é um dos documentos mais famosos dos primeiros séculos. Esse documento era lido em muitas comunidades e alguns o consideravam parte do Novo Testamento. No entanto, ele perdeu essa classificação.

Além disso, ele é um dos possíveis autores da Epístola aos Hebreus (segundo o teólogo Tertuliano). Leia uma biografia completa de Barnabé clicando aqui.

3. Inácio de Antioquia

Santo Inácio de Antioquia | Arquidiocese de São Paulo

Bispo de Antioquia (atual região da Turquia), especula-se que tenha conhecido diretamente o Apóstolo João, de quem aprendeu muito. Isso é comprovado lendo seus escritos, que usa conceitos da filosofia grega, assim como João.

Inácio de Antioquia recebeu a sentença de martírio. Durante sua viagem para a Roma, local em que morreria pela fé, ele escreveu sete cartas.

Por fim, o autor cita as cartas de Paulo, além de ensinar sobre os sacramentos e a hierarquia da Igreja.

4. Policarpo de Esmirna

São Policarpo de Esmirna | Arquidiocese de São Paulo

Policarpo de Esmirna era bispo da região de Esmirna, localizada atualmente na Turquia. Segundo fontes, o autor aprendeu diretamente com os apóstolos.

Tertuliano afirma que Policarpo foi ordenado diretamente pelo apóstolo João.

5. Pápias de Hierápolis

What Did Papias of Hierapolis Teach? – THE BODY OF CHRIST

Papias de Herápolis era bispo da cidade de Hierápolis, na atual Turquia. Acredita-se que o autor tenha aprendido diretamente com João, assim como Policarpo. Pápias era milenarista, acreditando que a segunda vinda de Cristo ocorreria após uma reestruturação na sociedade.

Infelizmente, perdemos suas obras, restando apenas poucos trechos citados por Eusébio de Cesaréia e Ireneu de Lyon.

6. Quadrado de Atenas

Quadrado de Atenas era bispo da cidade de Atenas, até hoje encontrada na Grécia. Além disso, o teólogo afirma ter sido discípulo direto dos apóstolos.

Infelizmente, seus escritos também se perderam, de forma que apenas trechos chegaram até os dias atuais.

7. Pastor de Hermas

Pastor de Hermas – Wikipédia, a enciclopédia livre

O autor do Pastor de Hermas, embora anônimo, muito contribuiu para a teologia cristã: essa obra teve grande importância na época, sendo consideradas por muitos como parte do Novo Testamento nesse período.

Ainda que ela não seja mais considerada como inspirada divinamente, ela continua sendo um ótimo documento de fé.

Por fim, vale notar que a obra ensina através de parábolas, mandamentos e visões.

8. Didaquê

The Orthodox Faith - Volume III - Church History - First Century - Christ  and the Apostles - Orthodox Church in America

O Didaquê é considerado pelo primeiro catecismo cristão. Assim, ele dá importantes lições sobre o batismo, o jejum e como viver a fé cristã plenamente.

Não se sabe quem escreveu o Didaquê: pode ter sido apenas um autor ou um grupo de pessoas.

Confira uma resenha completa do Didaquê, capítulo por capítulo, clicando aqui.

9. Epístola a Diogneto

Da Carta a Diogneto sobre os primeiros cristãos - História para  vocêHistória para você

O autor da Epístola a Diogneto está entre os padres apostólicos. Na obra, o autor anônimo faz uma apologia da fé cristã, mostrando os valores da solidariedade cristã.

Especula-se que o autor é proveniente da tradição Joanina, pois ele traz os conceitos de Logos em sua obra.

Qual é a importância dos Padres Apostólicos?

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De fato: nem todos os escritos feitos pelos padres apostólicos possuem validade teológica. No entanto, sua importância histórica é imensa.

Eles são muito importantes pois aprenderam diretamente com os apóstolos. Assim, eles trazem importantes ensinamentos sobre a fé, dando continuidade à tradição apostólica. As obras mostram sobre a vida do cristão na Terra e sobre a necessidade de conversão, mesmo com os sofrimentos da vida.

Portanto, eles funcionam como que uma ponte entre o Novo Testamento e os autores mais filosóficos dentro do cristianismo que apareceram no segundo século.

Além disso, muitas dessas obras são aceitas como divinamente inspiradas em algumas comunidades. Por exemplo: o Didaquê faz parte do cânone da Igreja Ortodoxa da Etiópia.

 Portanto, fica claro que esses autores são muito importantes para a história do cristianismo.

Principais perguntas sobre os Padres Apostólicos

Os Padres Apostólicos são santos?

Todos os padres apostólicos que conhecemos são santos. No entanto, os autores dos livros anônimos não são canonizados.

No entanto, considerando as grandes obras que eles deixaram, é de se acreditar que eles sejam santos, ainda que anônimos.

As obras dos Padres Apostólicos são parte do Novo Testamento?

Apesar das obras serem muito importantes para a patrística e para a história do cristianismo, elas não são divinamente inspiradas. Ou seja: não estão no cânone do Novo Testamento.

Existem algumas exceções, com alguns dos escritos fazendo parte do cânone de algumas comunidades orientais (como é o caso do Didaquê).

Os Padres Apostólicos são católicos?

Na época, ainda não havia cismas dentro da Igreja. No entanto, alguns autores descrevem ritos e costumes que a Igreja pratica até hoje.

Além disso, a primeira epístola de Clemente Romano fala sobre a autoridade da Igreja de Roma frente as demais, o que pode ser um indicativo da tradição católica já existindo no primeiro século.

Os livros dos Padres Apostólicos foram preservados até hoje?

A grande maioria dos livros dos Padres Apostólicos foi preservada. De fato, as únicas exceções são as obras de Pápias de Hierápolis e Quadrado de Atenas, das quais sobraram apenas trechos.

Livros sobre os Padres Apostólicos

É possível ler todos os documentos escritos pelos padres apostólicos gratuitamente pela internet. É só colocar o nome do autor que aparece facilmente.

No entanto, existe um livro que compilou todos os escritos desses autores:

1. Coleção Patrística Volume 1 – Padres Apostólicos (Ed. Paulus)

A Coleção Patrística possui dezenas de volumes e engloba a literatura cristã dos primeiros séculos. O volume 1 tem todos os documentos dos Padres Apostólicos, juntamente com explicações das obras.

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2. Principais Padres Apostólicos e seus Escritos (ed. Clube de Autores)

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Outra coleção dos padres apostólicos, dessa vez compiladas pelo Prof. Alan Francisco Lemos. É uma obra menor, com apenas 80 páginas.

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3. Padres Apostólicos Siglo I-II (ed. Ivory Falls Books)

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Desta vez, uma coleção em espanhol. Além dos escritos, também possui uma descrição a respeito de cada obra. Está disponível apenas para Kindle, tendo um preço bastante acessível.

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Vítor Costa

Doutor em Química pela UFRJ. Copywriter e redator de conteúdo especializado em finanças e negócios. Dono do Portal Odisseu e do Podcast do Vítor. Amante de filosofia, literatura e psicologia.

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